terça-feira, 7 de novembro de 2017

Retalhos da História - "O terramoto de Lisboa de 1755"

No âmbito da nossa atividade "Retalhos de História", em parceria com a professora de história do 3.º ciclo, deixamos mais um registo de um acontecimento muito importante da História de Portugal.

Imagem ilustrativa

Lisboa, 1 de Novembro de 1755. Pouco depois das nove e meia da manhã ouviu-se um ruído cavo e grave - «rugido tão medonho como o de um espantoso trovão» - e em simultâneo a terra tremeu. De imediato sentiu-se uma vibração apenas suficiente para fazer dançar as folhas de papel em cima de uma mesa, mas de contínuo aumentou «com tão violento, e estranho movimento, que logo indicou não ser puramente tremor». Objetos maiores caíram das prateleiras, molduras e crucifixos pegados às paredes «balançavam como se fossem barbatanas de um peixe fora de água», descreveu uma testemunha inglesa. Os próprios edifícios começavam já a balançar para trás e para diante. A terra vibrava como se fosse atravessada por uma onda, disseram depois várias testemunhas – e muito corretamente, uma vez que um sismo é de facto uma onda de energia. 

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Aparentemente os edifícios começaram a ruir a partir do segundo minuto de sismo. O vaivém das paredes tinha deixado os telhados sem sustentação. As telhas caíam, e depois delas os travejamentos e tudo o que neles estava suspenso, incluindo os candelabros acesos das igrejas. A queda dos telhados matou, feriu ou imobilizou imediatamente grande parte dos fiéis que se encontravam nas igrejas – além de por vezes lhes ter tapado as saídas – enquanto as chamas dos candelabros se propagavam rapidamente às madeiras. Nas ruas, as pessoas eram atingidas por pedaços de revestimento, telhas soltas, até varandas e paredes inteiras. 

O primeiro choque – de entre dois a três minutos? – teria sido suficiente por isso para provocar danos excepcionais. Através da poeira, os sobreviventes puderam observar durante a breve interrupção que ruas inteiras tinham deixado de existir: todos os edifícios de determinadas áreas estavam por terra. A pausa não deu para mais do que tentar encontrar os sobreviventes mais à mão. Não houve tempo para começar procurar haveres ou verificar o estado em que tinham ficado as habitações das vítimas. O segundo e o terceiro choques provocaram um tal pânico que muitas pessoas deixaram sequer de prestar atenção aos efeitos físicos do terramoto. Muitos acreditavam, certamente, que era chegado o fim do mundo. Todos desejavam apenas ver o fim daquele tormento e pouco tempo depois já declaravam desejar somente esquecê-lo. 

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O grande pânico dos incêndios ocorreria umas horas depois. Para já, os lisboetas parecem ter pensado que o pior tinha passado – se é que conseguiam pensar em alguma coisa. Muitos desceram até à ribeira, ao Tejo e às suas praias. O nível do mar estava abaixo do normal na maré baixa. Houve até quem escrevesse, mais tarde, que se tinha visto o fundo do rio. 

O maremoto, provocado pelo deslocamento do fundo marinho no epicentro do sismo foi sentido inequivocamente pelos navios em alto-mar. Meia hora depois do sismo já um tsunami de cerca de quinze metros de altura fizera enormes estragos nas costas marroquina, andaluza, algarvia e alentejana. Certas cidades algarvias, como Lagos, Portimão e Faro, foram mais danificadas pelo tsunami do que pelo terramoto, embora se encontrassem também perto do epicentro. Em Albufeira, parte da população foi arrastada para o mar. Em Lagos, as ondas destruíram muralhas e partes de fortalezas (…). 

(…) quando a onda gigante chegou à capital do reino tinha ainda seis metros de altura, o que foi suficiente para causar estragos consideráveis. Arrastou consigo um grande número de embarcações. Recordemos que num dia comum o porto de Lisboa contava com entre a meia centena de navios de grande porte, aos quais se deveriam juntar embarcações menores, botes, etc. Toda essa madeira, inteira ou despedaçada, deve ter entrado pelas ruas da cidade mais baixas e expostas ao rio, rangendo e estalando à passagem.

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Quando a onda regrediu deixou estes desperdícios que mais tarde serviriam de combustível para as chamas. E quem se encontrava por perto não teve tempo para recobrar o fôlego. Passado um par de minutos, outra onda chegou e se abateu sobre a parte ribeirinha da cidade. Desta vez não só trouxe destroços de navios e destroços de destroços provenientes da própria ruína da cidade, como levou consigo embarcações que se encontravam ancoradas ou mesmo em terra firme e que desapareceram quando esta onda regrediu. A onda terá varrido toda a zona ribeirinha, arrastando com ela pessoas, embarcações e detritos. Só escapou quem correu para lugares altos e especialmente quem, por se encontrar a cavalo, pôde galopar para longe da onda gigante.

Ao fim da manhã os incêndios tornaram-se a preocupação principal. Os incêndios tiveram principalmente duas origens: por um lado os lustres, candelabros e eventualmente archotes que estavam acesos no interior das igrejas; por outro os fogões das casas e dos palácios. «Muita gente morreu por se abrasar nas chamas», ou no início imediato dos fogos, ou quando as chamas os encontraram encurralados nas ruínas, meio soterrados, presos, feridos. Muitos edifícios arderam completamente. Praticamente toda a Baixa de Lisboa foi afetada.

Praticamente todos os testemunhos diretos da tripla catástrofe do dia confirmam que o incêndio foi, em si, ainda mais destrutivo do que o terramoto propriamente dito. Edifícios como o Paço Real, a Ópera do Tejo e a Igreja Patriarcal foram na verdade devastados e inutilizados pelos incêndios.

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 A família real, que se encontrava no seu palácio de Belém, escapou sem danos físicos. O trauma psicológico foi grande; muito se tem ridicularizado Dom José I por não ter desejado reconstruir o Paço da Ribeira e ter vivido nos anos seguintes em luxuosas tendas, a célebre Real Barraca da Ajuda. Deve assinalar-se que Dom José I não foi o único a reagir assim; a fobia aos edifícios sólidos parece ter sido uma quase epidemia nos anos seguintes. A maior parte dos sobreviventes não teve pressa em regressar às suas casas e preferiu ficar pelos campos, uma atitude compreensível se pensarmos que as réplicas do sismo ocorriam diversas vezes por dia, às vezes com muita intensidade.

Sebastião José de Carvalho e Melo nada sofreu com o abalo, o que não deixou de ser lamentado mais tarde pelos seus rivais políticos. Também os bordéis da Rua Formosa escaparam sem dano ao abismo – um dado perturbante para as consciências devotas que viram tantas igrejas destruídas pelos incêndios. Poucas «pessoas de qualidade», como se dizia, pereceram. A grande exceção foi o Conde de Peralada, embaixador de Espanha, esmagado pela queda do brasão da sua própria casa.

No dia 2 de Novembro, os habitantes de Lisboa começavam a organizar-se para se estabelecerem nos campos em torno da cidade. Os incêndios continuavam. O rei ordenou ao Duque de Lafões que encontrasse forma de sepultar o mais rapidamente possível os cadáveres humanos e animais que se encontravam espalhados pela cidade. A medida foi tomada tendo em especial atenção a possibilidade de eclodir uma epidemia de peste, e para a levar a cabo foram chamadas as companhias militares do interior, nomeadamente do Alentejo.


Além da rápida eliminação dos cadáveres e da reposição logística da distribuição de víveres, a repressão do crime foi a terceira das preocupações fundamentais. Chegou a ganhar contornos brutais. Dois dias depois do Terramoto o Marquês de Marialva recebeu uma ordem para vigiar as praias em busca de piratas argelinos que se julgava que aproveitariam a ocasião para atacar as vilas costeiras que mais haviam sofrido com o maremoto, como Setúbal, Cascais e Peniche.

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Mas é a ordem do dia 4 de Novembro contra os ladrões que mais se gravou na memória coletiva. Num aviso dirigido aos ministros do Senado de Lisboa e aos das províncias, Dom José I ordena que se faça a caça a ladrões que pululavam pela cidade e que se aplique a pena de morte aos que forem detidos em flagrante na posse de bens furtados, no mesmo dia, sem julgamento. «Se levantaram por diversas partes altas forcas», lembra uma testemunha, «e desta sorte dentro de poucos dias se enforcaram muitos em Lisboa». Depois dos enforcamentos, as cabeças dos mortos eram separadas dos corpos e pregadas aos próprios postes das forcas, «para que servissem de terror, e emenda aos costumes perversos».
Fonte: Rui Tavares, O Pequeno Livro do Grande Terramoto, Lisboa, Tinta-da-china, 2004 (adaptado).

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