terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Retalhos da história - A Fotografia do “Negro Gregório” Penteando Getúlio Vargas


Nos anos 1950, a visão da “inferioridade do negro” e da sua condição intrínseca de “classe baixa e desprezível” dominava ainda a sociedade brasileira como a sua principal cicatriz de atraso. Até mesmo nos desportos, onde parecia existir igualdade, havia ainda alguns clubes de futebol de capitais estaduais que não permitiam negros na sua equipa principal. (A crónica desportiva, inclusive, escrevia “colored” quando queria distinguir algum jogador negro. E os próprios negros se auto denominavam “morenos”. Ou “escurinhos”, quando a menção envolvia um gesto carinhoso.) 

Todo o Brasil tinha orgulho de não imitar os Estados Unidos na discriminação brutal e violenta contra os negros, na época, mas boa parte dos brasileiros brancos – ricos ou pobres – envergonhava-se de mostrar em público os seus eventuais amigos negros. 

Neste quadro, aquela fotografia de Gregório Fortunato penteando Getúlio Vargas espalhou-se naqueles dias [agosto de 1954] pelo país inteiro como “uma prova”. 

Prova de quê? De que o Presidente da República dava intimidades a um negro. Ou que tinha um escravo negro investido da autoridade de ter poder até sobre os brancos. 

Getúlio gostava daquele negro que lhe era submisso por fidelidade, não por outro interesse. A submissão por lealdade fazia-o sentir-se como tendo um escravo sem escravizá-lo: a sensação de poder ganhava novo contorno, próximo e doméstico, e a solidão se dispersava. Mesmo assim, aquele instantâneo fotográfico espalhado pelo país inteiro, em que Gregório penteia o cabelo de Getúlio, retratou apenas um fugaz momento. Foi talvez a única vez, mas Getúlio sentiu-se feliz e poderoso. No automóvel conversível, ao ar livre, o vento esvoaçando os ténues fios da cabeleira que já desaparecia, e Gregório ali – prestimoso e rápido –, arrumando-lhe os cabelos, dando-lhe a elegância que um Chefe de Estado merecia e necessitava para desfilar em carro aberto pelas ruas da cidade. Sim, mas a fotografia deu ao público a ideia de uma vaidade que ele não tinha. Ou que até poderia ter, mas que nunca aparentava ou não deixava transparecer – a da aparência física –, ainda que na verdade a cultivasse e a tivesse escondida, como escondia tudo o que ele gostava. 

Ninguém falava, porém, da vaidade que ele escondia, mas do negro que mostrava. 

Tinha sido só aquela vez. Ou apenas uma ou outras mais, ao acaso. O suficiente, porém, para que – num tom irónico e depreciativo – milhões de escandalizados homens e mulheres exclamassem que o “negro Gregório” penteava os cabelos do Presidente da República, como um abominável macaco feito vallet de chambre em plena rua. 

Flávio Tavares, O Dia em que Getúlio Matou Allende, Rio de Janeiro, Editora Record, 2004 (adaptado).


Getúlio Vargas e o sempre leal Gregório Fortunato atrás dele: o chefe da guarda fazia a barba e o cabelo do presidente e acompanhava-o até nos encontros amorosos




O fiel segurança pessoal Gregório Fortunato penteia os cabelos de Vargas: imagem feita por fotógrafo amador, que não se identificou, com medo de represálias.



quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

"Dia da INTERNET Mais Segura"


Hoje, "Dia da Internet Mais Segura", deixamos-te com as histórias do Lucas.

"Vamos usar palavras bonitas"
 


"Quem me anda a chamar nomes?"


"Como é que se apaga isto"


"Qual é a palavra passe?"


"Já sonho com jogos..."
"Só mais um bocadinho"

Aprende, e partilha  com os teus colegas e amigos!

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Dia da INTERNET Mais Segura

Hoje, "Dia da Internet Mais Segura", atreve-te!

http://www.seguranet.pt/

Retalhos da história "O Regicídio"

No âmbito da atividade "Retalhos da História" publicamos o texto "O Regicídio" sendo que, no passado dia 1 de Fevereiro, fez 110 anos do acontecimento.


O Regicídio

Testemunho de D. Manuel II

Um pouco depois da 4 horas saí do Paço das Necessidades num landau com o visconde de Asseca em direção ao Terreiro do Paço. (…) Finalmente chegou o barco em que vinham meus pais e meu irmão. Abracei-os e viemos seguindo até à porta (…), entrámos para a carruagem os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda ao meu pobre Pai. O meu chorado Irmão diante do meu Pai e eu diante da minha Mãe. O que agora vou escrever é o que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz!

Saímos da estação bastante devagar. (…)

Eu estava olhando para o lado da estátua de D. José e vi um homem de barba preta com um grande Gabão. Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Estava tão longe de pensar num horror destes que disse para mim mesmo: «Que má brincadeira.» O homem saiu do passeio e veio logo pôr-se atrás da carruagem e começou a fazer fogo. (…) Logo depois de o Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilada como numa batida às feras. (…) Saiu debaixo da arcada do Ministério um outro homem que desfechou uns poucos tiros à queima-roupa sobre o meu pobre Pai. Uma das balas entro pelas e outra pela nuca, o que o matou instantaneamente. (…) Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembro-me perfeitamente de ver minha adorada e heroica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão gritando àqueles malvados animais: «Infames, infames.»

A confusão era enorme. (…) Vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. (…)

De repente, já na rua do Arsenal, olhei para o meu queridíssimo Irmão. Vi-o caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda, de onde o sangue jorrava como de uma fonte. Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue. Mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja. (…)

Eu também fui ferido num braço por uma bala. (…)

Agora que penso neste pavoroso dia e no medonho atentado parece-me e tenho quase a certeza (…) que eu escapei por ter feito um movimento instintivo para o lado esquerdo.

Diário de D. Manuel II
Transcrição de Extractos das «Notas Absolutamente Íntimas» d’El-Rei Dom Manuel II de Portugal, 21 de Maio de 1908


Fig. 1
 Le Petit Journal, de 19 de Fevereiro de 1908: D. Amélia e o filho sobrevivente velam D. Carlos e D. Luís Filipe.



Para completar a informação, podes visualizar o video:




Boas leituras!